Crítica | Perlimps

Os Perlimps”, o mais novo filme do diretor Alê Abreu (mesmo de “O Menino e o Mundo” de 2013) , conta a história de Claé e Bruô, agentes secretos de reinos rivais. Eles precisam superar suas diferenças e unir forças para buscar os Perlimps, criaturas misteriosas capazes de encontrar um caminho para a paz em tempos de guerra.

A animação de Alê segue com seu traço infantil e fantasioso, que transforma os círculos em mundo, como acontece em “O Menino e o Mundo”. Aqui vemos uma narrativa menos universal em questão de entendimento, já que os diálogos são claros e não falas que não precisam ser entendidas para serem passadas, como no filme anterior do diretor. As cores vivas acompanham toda a narrativa, como um adicional, de beleza e carisma; a formula de lindas canções compostas por brasilidades, acompanha também essa obra. 

Acompanhamos a jornada dos pequenos heróis que constante atravessada pela dureza da realidade que contrasta com a exuberância da natureza: eles são perseguidos por militares com veículos e armamentos acinzentados, que querem destruir a floresta para construir uma hidrelétrica e, de quebra, alimentar a indústria bélica. Qualquer comparação com momento da nossa vivida realidade são validos, em tempos passados, como foi com o período mais assombroso da Ditadura Militar no Brasil, a expansão de fronteiras, o avanço em especial na Amazônia e no Pantanal com a chacina de populações indígenas e tradicionais além do desmatamento e o assassinato da fauna e da flora (coisa que também vemos acontecendo nos dias atuais, como o caso com os Yanomami), como um conceito universal (força existentes nas obras de Alê, que representa muito bem as classes mais baixas que sofrem com a realidade capital.) 

As obras que Alê Abreu apresentou até o momento, são sempre pontos de reflexões para mim. Aqui abro espaço para fazê-las, e quem sabe te fazer me acompanhar nessas reflexões. Enquanto acompanhava essa aventura, me veio à cabeça um livro que li recentemente - “Sobrevivência dos vaga-lumes”, George Didi-Huberman - um pensador contemporâneo da estética, que a partir do famoso artigo dos vaga-lumes, escrito por Pier Paolo Pasolini em 1975, defende a sobrevivência da experiência e da imagem, analisa também a obra do diretor. Aqui, vemos que os vaga-lumes representam as diversas formas de resistência da cultura, do pensamento e do corpo diante das luzes ofuscantes do poder da política, da mídia e da mercadoria. 

Com esse breve resumo, imagino, que para quem já assistiu o filme, fique claro a onde me tocou o pensamento e ligação dessas duas obras distintas. Bem, os perlimps, são como luzes, que além de força, representam a resistência, e assim como os vagalumes, perdem seu lugar em meio a evolução do apetite capital que coordena as manifestações fascistas existentes no mundo.  Cito aqui, uma das inúmeras frases do livro, que podem facilmente, explicar o pensamento expresso na obra de Alê Abreu - “Assim, a vida dos vaga-lumes parecerá estranha e inquietante, como se fosse feita da matéria sobrevivente dos [...] fantasmas.”.

Bem, na história, os perlimps são criaturas que a muito se perderam de vista, diminuindo em quantidade devido ao avanço dos gigantes, que no filme, sempre ostentam grandes olhos luminosos, como faroletes que ofuscam o brilho dos vagalumes.  E como citado no segundo capítulo do livro de Huberman, intitulado “Sobrevivência” - “[...] desapareceram mesmo os vaga-lumes? Desapareceram todos? Emitem ainda - mas de onde? - seus maravilhosos sinais intermitentes? Procuram-se ainda em algum lugar, falam-se, ama-se apesar de tudo, apesar do todo da máquina, apesar da escuridão da noite, apesar dos projetores ferozes?” . Essa poderia ser, facilmente, a questão inquietante que move a história contada por Alê Abreu.

Poderia me demorar muito mais nessas reflexões, mas acho que esses pontos são o suficientes para mostrar que, filmes nacionais são pontos de estudo, inquietações, arte, beleza, emoção e revolução. Obrigada por mais uma obra repleta de representação e acolhimento, luta e beleza, simples e que aponta para a relevância técnica e artística que a animação brasileira possui. 


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